terça-feira, 5 de julho de 2016

ACEs: Trajetória para além da atividade fim.


Somos Auxiliares de Controle de Endemias, com cargo criado no ano de 2002, em meio a uma epidemia de dengue.  Até então, este tipo de serviço era realizado por profissionais terceirizados contratados pela prefeitura do Rio de Janeiro.  Buscando uma melhoria na qualidade dos serviços, e devido aos caos de uma epidemia, surgiu a necessidade da criação de um cargo efetivo que atuasse diretamente junto à população basicamente em relação à dengue. 

O grande concurso do ano de 2002 despertou um enorme número de inscritos.  Muitos por estarem desempregados ou saindo do serviço militar obrigatório, outros vindos da iniciativa privada.  Entretanto, todos almejavam uma estabilidade empregatícia, reconhecimento profissional, valorização financeira, além de integrar a área da saúde de forma efetiva. Os aprovados tomaram posse do seu cargo e, pouco tempo depois, assumiram seus postos.  A realidade das condições de trabalho e a falta de uma perspectiva profissional saltavam aos olhos e afligiam a todos nós.

Ficávamos lotados de forma provisória em igrejas, banheiros de colégios, clubes, associação de moradores, dentre outros.  Muitos destes eram insalubres e não apresentavam condições mínimas de higiene para o acolhimento de profissionais de saúde e o pleno desenvolvimento de suas atividades profissionais, alimentícias e higienização. Entre outros absurdos destacamos: falta de informação sobre os riscos envolvidos em nosso trabalho, falta de equipamentos de proteção individuais ligados à utilização de insumos (venenos), falta de uniformes e, inclusive, falta de protetores contra o sol.  

Além disto, observamos um grande número de assédios morais durante o trabalho, das mais variadas formas, vindas não só das ditas chefias diretas, mas até mesmo, advindos da área administrativa. Não nos sentíamos parte integrante de nada, quanto mais pertencente á área da saúde.  O sentimento era único, e aos poucos começamos um processo de luta contra tudo que afeta o nosso rendimento profissional e a nossa dignidade humana. 

O nosso esforço profissional e a importância das atividades desenvolvidas, além daquelas que ainda podemos prestar, pois basicamente, somos a única categoria dentro do quadro efetivo da prefeitura que entra em praticamente todos os imóveis, chamou atenção para nós, dentro de uma nova política de saúde ligada às clínicas da família.

Com a crescente demanda da população, cada vez mais carente de cuidados básicos e de prevenção, vislumbra-se a real importância de abranger estes servidores em outras atividades inerentes e interligadas aos novos modelos de saúde instalados em nosso município e, também, atuando de forma integrada com outras vigilâncias: epidemiológica, sanitária e saúde do trabalhador.

Por fim, o quadro de total descrédito passa a ter uma luz no fim do túnel com o efetivo aumento do número de clínicas da família e a conjunção dos serviços prestados pelos auxiliares de endemia, integrando-os aos quadros das equipes de saúde.  Os locais de trabalho passaram em sua maioria para dentro das unidades de saúde e os setores administrativos começaram a nos reconhecer como uma categoria e não como um bando.

Nem tudo são flores, pois questões de proteção individual e coletiva ainda passam longe dos olhares dos coordenadores locais de saúde, além de hiatos sanitários dentro de nossa cidade sem a cobertura efetiva das clínicas da família.  Outra preocupação nossa ainda, é o viés dos entraves políticos quando a nossa mudança de nível profissional e de um plano de cargos e salários.

A nossa luta não termina, e até hoje, ela está em pauta e presente em nosso dia-a-dia.  Uma de nossas principais reinvindicações é a passagem de nosso nível de escolaridade para ensino médio.  Um dos avanços nesta parte está sendo o oferecimento pela Secretaria Municipal de Saúde de um curso técnico de vigilância em saúde ministrado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio ligado a Fundação Oswaldo Cruz que é um pré-requisito para viabilizar este nosso sonho profissional.

Novamente, os olhos ficam sobressaltados em ver uma dualidade de intenções.  Por um lado, o oferecimento de cursos profissionalizantes e, por outro a relutância em transformar-nos em técnicos de vigilância em saúde de fato com mais atribuições e, responsabilidades.

A nossa intenção é de crescimento profissional, pois podemos fazer muito mais e, já demonstramos isto.  Queremos atuar dentro de uma intersetorialidade, trabalhando em conjunto com as demais vigilâncias, assim como já fazemos dentro das clínicas da família.  Os cursos técnicos oferecidos ampliaram a nossa visão e o nosso conhecimento. 

Não nos contentamos em sermos apenas auxiliares de endemias, almejamos, sim, uma qualificação profissional e salarial, mas que em nenhum momento afasta-nos dos nossos deveres como profissionais de saúde.  Apenas, queremos respeito, mudança de nível de escolaridade transformando-nos em TÉCNICOS DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE para que possamos, de forma oficial, exercermos a função de técnico na realidade e, não apenas, estampado em nossos uniformes. 

Não só os auxiliares de controle de endemias estão perdendo com esta demora, mas sim a população de um modo geral perde com a subutilização de nossa mão-de-obra qualificada, numerosa e não aproveitada de forma eficaz e coerente dentro do nosso SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). 

ATCERIO
Rio de Janeiro, 05 de julho de 2016.
Colaboradores: Herivelton Teixeira e Fernando Rodrigues (Cap 3.3)

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