quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Entre a Luz e as Trevas: qual o futuro dos ACEs?

Em um de seus livros, Steve Jobs, talvez a maior referência contemporânea sobre inovação no mundo, dizia que, para qualquer um que quisesse ter sucesso com seus clientes, seria preciso "descobrir o que eles vão querer antes de quererem". Essa frase de Jobs, mesmo deslocada aqui de contexto, em princípio, talvez reflita bem o que significa, atualmente, o trabalho dos ACEs e seu futuro.

É muito dificil falar sobre um conceito de "futuro" hoje em dia. A tecnologia tem nos trazido tantas novidades, tantas coisas impensáveis, que quando vemos, já estamos reféns dela e nem conseguimos perceber quando essa dependência começou. Portanto, traçar qualquer futuro a partir das perspectivas presentes, mesmo sendo fiel e cuidadoso ao se analisar uma determinada perspectiva histórica, é extremamente perigoso e, ainda, potencialmente danoso a qualquer avaliação sensata sobre como proceder, como agir, ou mesmo, o que esperar. Diz a sabedoria popular que o futuro "pertence a Deus". E a sabedoria popular não vacila na forma como constroi esse conceito, pois coloca o futuro na perspectiva do inalcançável, do impossível, daquilo que nos é inacessível compreender, devido a nossa fragilidade e inferioridade infinita, diante de um ser supremo e perfeito.

Porém, refletir sobre o presente é nosso papel. mesmo que isso sirva, apenas, para comprovar nossa mais absoluta ignorância diante daquilo que nos cerca. Sócrates, o famoso filósofo grego, dizia aos seus interlocutores "so´sei que nada sei", e que isto o colocava em vantagem a todos os outros. Pois, para ele, ter consciencia da prória ignorância era o primeiro passo para se chegar a qualquer sabedoria.

Mas, o que esse papo tem a ver com esse blog? O que tem a ver com esse espaço, voltada para uma categoria da saúde, relegada a um simples papel de 'auxiliar' no nome, e ainda a procura de uma identidade dentro da sua própria área de atuação?

Bem, vamos por partes. Quando o inovador Jobs dizia que era preciso saber o que as pessoas vão querer, e não o que elas já querem, ele "transportava" sua consciência para o futuro. Não era somente uma questão de pretéritos e futuros verbais, mas sim, de como experimentar o lugar do outro naquilo que ele ainda foi incapaz de pensar. E aí, subitamente, entra o ACE: quantas vezes, você, caro amigo de luta e de campo, já se viu perguntando qual o destino do seu trabalho e o que as pessoas vão esperar dele daqui pra frente? Aposto que muitas, entretanto sem nenhum tipo de resposta concreta. Talvez o trabalho se torne mais tecnológico, com muitas ferramentas de coletas de dados e índices. Talvez uma maior integração com os outros setores da saúde. Talvez apareça novas doenças, afinal a Zika e a Chikungunya mudaram paradigmas quase invencíveis há algum tempo. E aí que nós começamos a dialogar com o futuro, a partir do presente: o trabalho do ACE, do jeito que existe hoje, preenche todos os requisitos para um fim sombrio: é mal planejado e tem caráter de invisibilidade. Na prática não gera interesse político, porém situado no setor público, depende dessa mesma política para existir.


A partir dessa "invisibilidade", atacar direitos fundamentais ao trabalhador da área passa a se tornar, nessa lógica desumana de mercado, algo "normal". Mesmo que esteja no setor público, qualquer trabalho hoje passa pelo crivo da "eficiência" e outros quesitos um tanto questionáveis. Deu pra perceber bem essa lógica nos últimos anos de Prefeitura, quando o tão anunciado e promovido "décimo quarto salário" se tornou apenas uma merreca bem cara de pau, e que, no final das contas, a culpa era "sua", porque não cumpriu as "metas". A gente percebe que, nesse tipo de lógica, não há muito espaço pra questionamentos, porque, lá no fundo, a culpa é sempre sua. E sempre será. E aí a gente fala sobre o futuro: até quando esse ACE colocará a culpa em si próprio, no seu colega, no governo, etc? Simplesmente, até sempre, até o seu "fim". Porque, apesar de tudo, o ACE reproduz o discurso do não merecimento em suas mais variadas atitudes.

Hoje, infelizmente, existe uma política mundial de ataque aos servidores publicos, de retirada de direitos, de fim da estabilidade, etc. Segundo as teorias mais modernas, permanecer no mesmo emprego durante muito tempo revela o seu "fracasso" como profissional. Quantos trabalhadores ACEs sonham em passar 'para um concurso melhor"? Talvez todos. Porque essa lógica é muito clara, muitos já fizeram isso, esse que vos escreve, por exemplo, mesmo que de forma tortuosa, também já passou por esse processo. E nisso, a gente acaba perdendo algo fundamental: o ACE sonha com um futuro, porém na esperança de se libertar de um presente. Mas não consegue pensar no presente como um sonho a se realizar no futuro. Confuso? Simplificando: sonhamos em não ser aquilo que somos hoje. E qualquer tentativa de mudar as coisas dentro do trabalho soa como "utópica", pois permaneceríamos os mesmos, fracassados, pois não conseguimos 'nada melhor". Esse é o futuro das trevas, aquele que citei no titulo. Um futuro que já existe, repetido diariamente em um presente sem esperança. Os trabalhadores que pensam desse jeito são presas fáceis para as armadilhas que o atual sistema econômico impõe.


Contudo, teríamos uma saída? Haveria luz ainda, lá no fim do túnel? Lembrem-se que, desde o início do texto, tentar prever o futuro estava fora de questão, devido a nossa incapacidade de conceituar o que não existe. Mas dá pra gente fazer algumas observações: a junção do ACE ao sistema de saúde de uma forma mais integrada pode gerar tambem, uma integração de pautas e lutas. A dependência política de visibilidade aumentou, em muito, com as novas doenças que chegaram, e ainda, faz-se mais forte movimentos de lutas unificadas do setor público para além das suas áreas de atuação, incorporando movimentos sociais e outras reivindicações históricas de diversos grupos. Enfim, apesar da gente "saber que nada sabe", é possível, ainda, entender o seguinte: o futuro de luz só virá a partir de uma organização coletiva séria e duradoura, respeitando seu proprio arcabouço histórico construido, e trazendo um caráter cada vez mais pedagógico, antes de qualquer viés ideológico. Ou seja, é necessário se manter organizado, saber jogar com as práticas políticas, e se auto determinar com firmeza em um propósito simples, porém muito dificil de alcançar: pensar em como você estará daqui a cinco, dez anos, sendo ACE. Essa é a questão. Você precisa saber o que você vai querer em dez anos ou mais. E o que você estará sonhando quando esse futuro chegar.

Assim, mesmo que você estenda isso a outros trabalhos, pensar como 'servidor'. Mesmo que não seja mais servidor, pensar como 'cidadão". Ao mesmo tempo que se integrar ao futuro, revigorar o presente. Porque, na verdade, a nossa desilusão de hoje foi só uma ilusão mal construída no passado. E, existem oportunidades, como nesse momento político agora, de repensar uma nova existência para a re-existência daquilo que sonhamos antes. Essa escolha você terá que fazer, e ninguém vai poder interferir nela. 

Por fim, pense nisso, com calma e tranquilidade. Felizmente, ainda existem muitos futuros possíveis. E apesar de indeterminados, está mais do que na hora de tentar construir algum.

Rio de Janeiro, 14 de setembro de 2016.

Colaborador: Antônio Júnior

Um comentário:

  1. Belo texto! Reflito sempre sobre oq queremos pro futuro. E sempre é a mesma coisa! A maioria, inclusive eu, queremos somente passar em um concurso melhor.

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